Casamento entre homossexuais – a igualdade também está na diferença
O Parlamento de Portugal reconheceu, no último dia 8, o direito de pessoas homossexuais se casarem aprovando um projeto de lei que havia sido proposto pela ala socialista e, embora o primeiro-ministro, José Sócrates, tenha chamado tal aprovação de “um momento histórico contra a discriminação que existia na sociedade portuguesa”, os partidos conservadores já procuram levar a lei a referendo nacional na esperança de vetarem a mudança.
Pouco antes, no final de dezembro do ano passado, um casal de homossexuais argentinos teve que, literalmente, peregrinar pela Argentina para conseguir licença para se unirem em matrimônio. Após terem obtido autorização de um magistrado de Buenos Aires, antes de conseguirem formalizar a união, um juiz federal ordenou a suspensão da autorização usando como argumento a constituição nacional argentina que define o matrimônio como uma união “entre um homem e uma mulher”.
Decididos a concretizarem sua vontade, os dois argentinos seguiram, então, para a Terra do Fogo, onde, após terem obtido residência local, receberam da governadora, Fabiana Rios, - do partido Afirmação para uma República de Iguais (ARI) - nova autorização, e o primeiro casamento entre homossexuais de toda a América Latina foi realizado.
Esses dois recentes acontecimentos demonstram que há nichos de compreensão e tolerância em partes do mundo. Também demonstra o quão arraigado ainda é o preconceito. Tentar entender a origem desse preconceito talvez seja uma forma de melhor anulá-lo. A pergunta é: por que não aceitar que duas pessoas adultas, por vontade própria, se unam formalmente?
A civilização mundial, em sua maior parte, vem se desenvolvendo e trazendo consigo aquele princípio visceral que, seja por meio da religião ou até mesmo de valores cidadãos, clama pela responsabilidade da reprodução. O casamento como um rito social é importante em todas as civilizações, origens, religiões, porque é o que garante a continuação da raça humana, de uma sociedade ou de um grupo da mesma fé. Seria esse um dos fatores que despertam a não aceitação do casamento entre duas pessoas do mesmo sexo? A impossibilidade de gerar e dar continuidade à humanidade?
Se esse é o principal motivo, que entre em pauta, então, não a união de casais gays, mas as inúmeras mazelas que toda sociedade do mundo enfrenta quando o assunto se refere à continuidade da vida. Se nossa sociedade é capaz de se mover tão enfaticamente para vetar esse direito aos homossexuais, poderia destinar tanta energia para combater as inúmeras agressões que diariamente são infligidas contra a mesma perpetuação da raça humana: a fome, o acesso precário ao sistema de saúde, o trabalho escravo, a violência e, principalmente, o abandono de crianças, a natalidade irresponsável e todas as suas consequências. Além do mais, como vem sendo tratado o casamento na atualidade? A forma como a “instituição” tem sido tratada por tantos heterossexuais poderia levar qualquer observador a achar que não se trata de um assunto tão levado a serio...
Qualquer tipo de preconceito acaba se tornando agente de segregação e esse é um dos fatores preocupantes inseridos na questão do veto aos direitos dos homossexuais. Como é tradicional acontecer, os partidos se dividem em posicionamentos e acaba ocorrendo uma espécie de polarização de opiniões, o que acaba manipulando as minorias. Ou seja, os partidos se aproveitam da luta de direitos para aliciar aquele determinado nicho, que acabará dependente e se tornando eleitorado crônico de políticos que nem sempre defendem a causa por realmente compartilharem da mesma opinião. Esse é mais um fator realista por que os legisladores devem de uma vez por todas reconhecerem essa prerrogativa dos casais gays e impedirem que a política a use por interesse próprio.
A solução se encontra na mentalidade das pessoas, afinal de contas, somente as leis não poderão oferecer paz se a comunidade não puder integrar essas minorias. A presente era vivida, com todos os seus avanços, desde as ciências exatas até as ciências sociais, não pode permitir que o preconceito seja um legado passado de geração a geração. O ser humano é naturalmente complexo, logo, é impossível e irracional impor um único formato de relacionamento interpessoal. A partir do momento em que duas pessoas adultas e detentoras da razão fazem uma escolha que não prejudique os direitos daqueles ao seu redor, essa escolha deve se tornar um direito.
O princípio de igualdade, tão enlevado nos governos que se autodenominam democráticos, não consiste em tornar todos iguais, afinal de contas, um formato único de ser consiste em material de governos totalitários. Defender a igualdade é também proteger a prerrogativa de ser diferente. A verdadeira igualdade é um direito, não um formato.
Por Maricy Ferrazzo
Fontes:
http://www.estadao.com.br/noticias/internacional,casal-de-argentinos-celebra-1-casamento-gay-da-america-latina,488039,0.htm
http://ultimosegundo.ig.com.br/mundo/2010/01/08/parlamento+portugues+aprova+lei+do+casamento+homossexual+9266540.html
Imagem: queenunique.wordpress.com