quarta-feira, 28 de outubro de 2009

COMPORTAMENTO


Vida só se for ao vivo

O vídeo dos adolescentes fazendo sexo que se espalhou pela Internet chocou muita gente no país. Logo, o assunto tornou-se pauta nos lares, nas escolas e, é claro, nos programas de televisão. Pais, mestres e apresentadores se perguntam o que se passa na mentalidade desses jovens para agirem de tal forma.
É necessário partir do pressuposto de que o estranho nesse caso não é o sexo, embora precoce – mas sim a vontade de exibi-lo publicamente, já em tão tenra idade. Seria uma atitude para desafiar a sociedade? Mostrar-se independente? Rebelar-se contra os pais ou a escola? Possivelmente. Contudo, existe a possibilidade, senão certeza, do papel de um outro fator nessa discussão. A questão dos modelos.

Não é necessário ser um psicólogo para comentar a adolescência, basta ter passado por ela. Não é uma época em que estamos sempre nos perguntando se somos iguais, se o que somos ou temos é normal? Não é uma época de um tumultuado autoconhecimento, constantes comparações e busca por parâmetros?
Para as gerações anteriores a adolescência sempre foi complicada, o que dirá atualmente com as redes sociais online, o Google e o You Tube! Para os adultos essa profusão de informações – boas e ruins – já é um desafio constante. Quantas vezes não usamos de nossos valores para filtrar esses conteúdos, sendo que sem esses valores estaríamos irremediavelmente expostos a toda espécie de teores prejudiciais.

O adolescente, então, diante do convívio não apenas com os pais, professores e amigos, mas com todo aquele infinito de ideias e conceitos incessantemente transmitidos pela TV e Internet , acaba passível de se perder nesse caleidoscópio de paradoxos.

O que é estranho é a sociedade não perceber de imediato onde esses jovens estão buscando os modelos que os fazem acreditar que exibir relações sexuais em público é normal. Fica até um tanto óbvio.

Há alguns anos os programas tipo reality shows se tornaram febre. Existem vários, com temas e objetivos diferentes, mas a base do entretenimento prometido com eles é sempre a mesma: a exposição. E nem todos contam com participantes maiores de idade, há os reality shows que acompanham famílias em seu cotidiano, mostram as dificuldades de pais despreparados com os filhos, nem os animais de estimação escapam.

Recentemente o mundo todo acompanhou o caso dos pais que forjaram um acidente com o filho num balão para ganhar a atenção da mídia, expondo a criança e colocando-a em segundo plano em comparação a sua vontade de serem ‘famosos’. Parece claro que a espetacularização da vida é uma triste tendência.

No caso dos adolescentes do vídeo, como repreendê-los se grande parte dos brasileiros se dedicam a assistir os tais reality shows em que participantes fazem a mesma coisa em frente às câmeras? E como podem os porta-vozes da TV se chocarem tão profundamente com o fato se eles mesmos tornam o “show da vida” um modelo aceitável, o divulgando e enaltecendo? Aquele indivíduo ainda formando seu caráter se depara com a maneira como essas exibições são naturalmente aceitas entre as pessoas de seu convívio e aprende que tudo isso é simplesmente normal. A relação com a mídia, desde o seu início, sempre foi cíclica.

Cria-se uma sociedade em que a exposição pública figura como um sinal de autenticidade, ou seja, acontecimentos só o são se tiverem público, esvaziando-se, dessa forma, o valor da privacidade. Como o sociólogo Zygmunt Bauman analisou, a exposição do privado, na sociedade atual, passou a ser vista como uma virtude, até mesmo um dever público. E essas projeções da vida privada se tornam produtos: aumentam os acessos do site, o ibope da TV e a venda dos jornais. Logo, é uma opção de cada pessoa querer ou não se tornar uma imagem – descartável - para consumo.
Por Maricy Ferrazzo
Fontes:
BAUMAN, Zygmunt. Modernidade Líquida. Jorge Zahar, 2001.
Imagem: eikongraphia.com

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