quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

SOCIEDADE

Audição – sentido involuntário

A preocupação com a poluição sonora no Brasil é contraditória. Ao mesmo tempo em que o barulho gerado pelo trânsito intenso de veículos nos grandes centros urbanos é tema de inúmeras pesquisas e preocupação entre moradores e profissionais da política de saúde, os costumes populares no país integram e aceitam, digamos, sons mais abrangentes.

No cotidiano do brasileiro, essa poluição sonora parte, além do tráfego de veículos, de carros com alto-falantes para fins publicitários, de estabelecimentos comerciais que colocam caixas-acústicas nas calçadas para divulgar promoções estridentemente, sem contar os caminhões de som que, quando não passam tocando jingles de candidatos políticos, são usados como mais um guia comercial e promocional de eventos. Todos em decibéis impossíveis de ignorar, configurando uma agressão tanto física como de direito.

Ainda outra fonte de agressão sonora se encontra entre os motoristas que não se satisfazem em manter a música de seu aparelho de som como uma experiência individual. Pelo contrário, fazem questão de alardear seu gosto pessoal, praticamente impondo o som aos que transitam ao redor. O mais preocupante é que existe todo um segmento tecnológico e comercial para suprir esses agressores sonoros. São aparelhos que potencializam o tocador de som do carro aumentando a capacidade do volume. Isso porque existe resolução do Contran (Conselho Nacional de Trânsito) de número 204/06 proibindo que o som dos carros ultrapasse 104 decibéis a meio metro de distância.

Há quem ainda ache interessante aposentar os fones de ouvido e circular com o aparelho celular ou de som portátil de forma a “espalhar” o seu gosto musical, e isso é feito até mesmo em veículos de transporte público como ônibus e vagões de metrô, locais onde é proibida qualquer difusão sonora eletrônica.

O resultado de todas essas fontes de barulho é um pandemônio de sons misturados, que acabam por perder o sentido e servem apenas para ferir tanto os ouvidos como a paz das pessoas, afinal de contas, a audição é um sentido involuntário, não há como interromper quando conveniente.

O Ministério Público de Pernambuco, por exemplo, está lançando campanha publicitária para combater a poluição sonora no estado, fazendo parceria com a Polícia Militar e o Disque-Denúncia. A intenção é difundir o direito ao silêncio, incentivando a participação da população. Para isso, está se oferecendo até mesmo recompensas em dinheiro para quem fizer denúncias. Tal medida parece vir para proteger um direito constitucional há muito tempo negligenciado no Brasil. Os outros estados deveriam se inspirar nessa iniciativa.

De qualquer forma, há como combater a poluição sonora simplesmente se todos passarem a exigir seus direitos. Há como fazê-lo individualmente com uma ação judicial ou coletivamente por meio de ação civil pública, protegida pelo artigo 225 da Constituição Federal. A perturbação do sossego alheio também é prevista como crime pela Lei das Contravenções Penais, artigo 42, no que concerne à proteção da paz pública, sendo que o desrespeito a essa lei pode levar a até três meses de prisão.

Contudo, se tratando de um país imenso como o Brasil, a reforma terá de ser geral. Não bastará a fiscalização ou a punição por lei, a poluição sonora também é necessário combater com a educação, com a noção de cidadania e respeito pelo outro.

Por Maricy Ferrazzo

Fontes: Jornal do Commercio e dji.com.br
Imagem: rondonia.ro.gov.br

quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

COMPORTAMENTO

Casamento entre homossexuais – a igualdade também está na diferença


O Parlamento de Portugal reconheceu, no último dia 8, o direito de pessoas homossexuais se casarem aprovando um projeto de lei que havia sido proposto pela ala socialista e, embora o primeiro-ministro, José Sócrates, tenha chamado tal aprovação de “um momento histórico contra a discriminação que existia na sociedade portuguesa”, os partidos conservadores já procuram levar a lei a referendo nacional na esperança de vetarem a mudança.

Pouco antes, no final de dezembro do ano passado, um casal de homossexuais argentinos teve que, literalmente, peregrinar pela Argentina para conseguir licença para se unirem em matrimônio. Após terem obtido autorização de um magistrado de Buenos Aires, antes de conseguirem formalizar a união, um juiz federal ordenou a suspensão da autorização usando como argumento a constituição nacional argentina que define o matrimônio como uma união “entre um homem e uma mulher”.

Decididos a concretizarem sua vontade, os dois argentinos seguiram, então, para a Terra do Fogo, onde, após terem obtido residência local, receberam da governadora, Fabiana Rios, - do partido Afirmação para uma República de Iguais (ARI) - nova autorização, e o primeiro casamento entre homossexuais de toda a América Latina foi realizado.

Esses dois recentes acontecimentos demonstram que há nichos de compreensão e tolerância em partes do mundo. Também demonstra o quão arraigado ainda é o preconceito. Tentar entender a origem desse preconceito talvez seja uma forma de melhor anulá-lo. A pergunta é: por que não aceitar que duas pessoas adultas, por vontade própria, se unam formalmente?

A civilização mundial, em sua maior parte, vem se desenvolvendo e trazendo consigo aquele princípio visceral que, seja por meio da religião ou até mesmo de valores cidadãos, clama pela responsabilidade da reprodução. O casamento como um rito social é importante em todas as civilizações, origens, religiões, porque é o que garante a continuação da raça humana, de uma sociedade ou de um grupo da mesma fé. Seria esse um dos fatores que despertam a não aceitação do casamento entre duas pessoas do mesmo sexo? A impossibilidade de gerar e dar continuidade à humanidade?

Se esse é o principal motivo, que entre em pauta, então, não a união de casais gays, mas as inúmeras mazelas que toda sociedade do mundo enfrenta quando o assunto se refere à continuidade da vida. Se nossa sociedade é capaz de se mover tão enfaticamente para vetar esse direito aos homossexuais, poderia destinar tanta energia para combater as inúmeras agressões que diariamente são infligidas contra a mesma perpetuação da raça humana: a fome, o acesso precário ao sistema de saúde, o trabalho escravo, a violência e, principalmente, o abandono de crianças, a natalidade irresponsável e todas as suas consequências. Além do mais, como vem sendo tratado o casamento na atualidade? A forma como a “instituição” tem sido tratada por tantos heterossexuais poderia levar qualquer observador a achar que não se trata de um assunto tão levado a serio...

Qualquer tipo de preconceito acaba se tornando agente de segregação e esse é um dos fatores preocupantes inseridos na questão do veto aos direitos dos homossexuais. Como é tradicional acontecer, os partidos se dividem em posicionamentos e acaba ocorrendo uma espécie de polarização de opiniões, o que acaba manipulando as minorias. Ou seja, os partidos se aproveitam da luta de direitos para aliciar aquele determinado nicho, que acabará dependente e se tornando eleitorado crônico de políticos que nem sempre defendem a causa por realmente compartilharem da mesma opinião. Esse é mais um fator realista por que os legisladores devem de uma vez por todas reconhecerem essa prerrogativa dos casais gays e impedirem que a política a use por interesse próprio.

A solução se encontra na mentalidade das pessoas, afinal de contas, somente as leis não poderão oferecer paz se a comunidade não puder integrar essas minorias. A presente era vivida, com todos os seus avanços, desde as ciências exatas até as ciências sociais, não pode permitir que o preconceito seja um legado passado de geração a geração. O ser humano é naturalmente complexo, logo, é impossível e irracional impor um único formato de relacionamento interpessoal. A partir do momento em que duas pessoas adultas e detentoras da razão fazem uma escolha que não prejudique os direitos daqueles ao seu redor, essa escolha deve se tornar um direito.

O princípio de igualdade, tão enlevado nos governos que se autodenominam democráticos, não consiste em tornar todos iguais, afinal de contas, um formato único de ser consiste em material de governos totalitários. Defender a igualdade é também proteger a prerrogativa de ser diferente. A verdadeira igualdade é um direito, não um formato.


Por Maricy Ferrazzo


Fontes:
http://www.estadao.com.br/noticias/internacional,casal-de-argentinos-celebra-1-casamento-gay-da-america-latina,488039,0.htm

http://ultimosegundo.ig.com.br/mundo/2010/01/08/parlamento+portugues+aprova+lei+do+casamento+homossexual+9266540.html

Imagem: queenunique.wordpress.com

segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

COMPORTAMENTO

Em favor da igualdade


Na véspera do Ano Novo, por causa de uma falha de áudio, um comentário, no mínimo infeliz e preconceituoso, foi feito por um âncora de telejornal logo após ter sido veiculada uma manifestação de “Feliz Ano Novo” de dois garis paulistanos. A observação foi parar no Youtube.

O comentário em questão, nem vale a pena registrar aqui, pois, além de conter palavras ‘chulas’, ofende a classe de trabalhadores braçais que mais colabora para a limpeza e manutenção da cidade de São Paulo. Sem eles, a capital paulista seria ainda mais caótica do que é em tempos de bueiros entupidos e enchentes. E, infelizmente, alguns somente valorizam o serviço desses indivíduos quando a sujeira, literalmente, bate à porta.

O jornalista, ainda que por um erro de áudio, não deveria ter feito tal comentário com seu companheiro de telejornal. Mas acabou indo ao ar. Mesmo com um pedido de desculpas tardio, o estrago já estava feito. Afinal de contas, apenas mostra o nível de arrogância que existe por trás da pessoa que transmite notícias sobre tragédias e má administração pública, cobra soluções eficazes por parte do Governo, mas ao mesmo tempo é capaz de agredir verbalmente simples cidadãos que tudo o que fizeram foi desejar um “Feliz Ano Novo”. Mesmo que esses trabalhadores fizessem parte da classe pertencente ao “mais baixo escalão”, - nos dizeres do próprio comunicador - ainda assim, como qualquer trabalhador, merecem todo o respeito.

Em países como o Japão, por exemplo, funcionários da limpeza pública são valorizados e bem remunerados porque lá todos reconhecem a importância do trabalho que exercem. Aqui, são seres invisíveis que recolhem a sujeira de todo morador ou transeunte, sem distinção – e ganham pouco comparado ao esforço diário de catar o lixo, varrer ruas e calçadas, seja com sol ou chuva, no frio ou no calor. Ainda assim, com um sorriso no rosto, na maior humildade, são capazes de mandar uma mensagem de otimismo e alegria, ao contrário de outros empregados recolhidos em escritórios com ar condicionado e que possuem um contracheque alto.

Não desmerecendo nenhuma profissão ou trabalho, todos são essenciais de alguma forma para o desenvolvimento do nosso país, entretanto, são os trabalhadores braçais que movem o Brasil. Seja na estrada, na terra, plantando e colhendo, construindo e limpando todos contribuem com o seu suor. Ninguém é melhor que ninguém, todos fazem parte da mesma engrenagem, tire uma peça e o sistema para.


Por Joelma Godoy de Mello

Imagem:esteestadisponivel.blogspot.com/2009/04/preco


segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

ENCHENTES

Hora da consequência
Igreja Matriz de São Luis do Paraitinga em junho de 2009 e depois da enchente

2010 chegou trazendo prelúdios de um futuro nada otimista por todo o mundo. O Brasil, muitas vezes chamado de terra sagrada por não sofrer com fenômenos naturais como terremotos e tornados, acabou também atingido pelo desequilíbrio por qual passa o meio-ambiente de todo o planeta. Hoje escrevo em primeira pessoa, pois as notícias que para muitos não passaram da televisão, para mim ressoaram muito próximas.

Surge uma certa noção de responsabilidade quando os caminhos que se trilhou há poucos meses de repente são inundados por infindáveis metros de água, surge um senso de dever quando os rostos que se viu e a vida que se presenciou se perdem debaixo de um rio. Essa foi apenas uma tragédia. A outra, ocorrida em Ilha Grande, me deixou sem uma amiga da melhor época da vida. Mas vou falar de chuvas e enchentes.

Tive a oportunidade de estar em São Luis do Paraitinga em junho de 2009 e, como todo jornalista, não perdi a chance de documentar a visita. A igreja que agora não passa de escombros eu havia fotografado com grande interesse. A praça, as casas, e o rio. É dolorosamente estranho ver as ruas por onde se passou surrealisticamente submersas.

Estive de passagem na região de Angra dos Reis em dezembro e, com muita chuva, o que vi foi assustador. As paredes de terra dos morros que emolduram toda a Rio-Santos estavam literalmente se diluindo, pequenas cachoeiras se formavam em toda a extensão do caminho, em alguns trechos havia correntezas de água laranja do barro, escorrendo caminho a baixo, lá onde os primeiros metros da água do mar estavam todos tingidos da mesma cor. Bairros inteiros sob o mesmo líquido barrento e a chuva pesada e incessante.

Fora esses dois locais, há hoje a extrema vulnerabilidade da cidade de São Paulo às chuvas, os estragos em Santa Catarina, as cidades cujas ruas começam a se encher de água com uma velocidade nunca antes vista quando há chuva.

Daqui e de outros lugares onde as catástrofes naturais estão destruindo vidas, a mensagem está muito clara. Chega a hora das consequências.

Senhores governantes, dirigentes, representantes, embaixadores, diplomatas, políticos, industriais, empresários, chegou a hora de pagar pelos excessos cometidos. Talvez, de onde estavam quando houve a oportunidade de tomarem uma atitude, não puderam enxergar o que se passa no planeta; talvez estejam míopes, mais provavelmente loucos. Se tiverem a ilusão de que as enchentes, os dilúvios e o superaquecimento se limitarão às fronteiras de outros países que não os seus, então estão mesmo loucos.

Não há política que negocie os imperativos da natureza, sabiam? Não acreditem que conferências, acordos, sanções ou armas nucleares possam dar ordem à chuva para deixar de chover ou ao vento para parar de ventar. Muito menos trarão de volta as vidas roubadas. Se toda essa irresponsabilidade e indiferença como a que vimos em Copenhague se explica pela ambição por lucro e poder, que tentem usar do dinheiro para barganhar de volta a vida e o tempo perdidos. Esses dois não há como tornar moeda de troca.

Se aquele que está num lugar de liderança não prioriza a vida e a continuidade desta, então é um criminoso, não um líder. O problema ambiental é global, não é 20% responsabilidade deste ou 4% daquele. Não é comensurável em lastro, não é previsível, não é reversível. Exige comprometimento geral. E urgente.
- Os moradores de São Luis do Paraitinga estão isolados e necessitam de ajuda. Os quartéis da Polícia Militar de todo o estado de São Paulo estão recolhendo doações como água, colchões, roupas e alimentos.


Por Maricy Ferrazzo
Fotos (respectivamente): Myfzz e Estadão - Sérgio Neves/AE