segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

VIOLÊNCIA

Triste realidade


Mais uma dessas pessoas humildes e trabalhadoras, mais uma história de opressão. Sandra, nome fictício, pessoa real. Doméstica, honesta, corajosa. Uma mulher que cria os filhos sozinha, sem nem ao menos fazer uso do direito da pensão alimentícia. Moradora de bairro pobre, longínquo, escuro à noite.

Sandra há pouco tempo havia atendido ao pedido dos filhos que consistia em terem um gatinho de estimação. Conseguiu um filhote de uma conhecida. As crianças ficaram encantadas. O bichinho foi batizado, recebeu casa comida e amor.

Contudo, há poucos dias, a família de Sandra teve que enfrentar o horror de encontrar seu mascote retalhado, num corte limpo, de ponta a ponta, se arrastando para casa, mais morto que vivo. Certamente a violência foi dupla.

Fazer mal a um animal é crime. Atingir crianças por meio de um crime contra um animal também é. Não há argumento que possa eximir da culpa (e da maldade) a pessoa que deliberadamente fere um animal inofensivo. Se fosse possível agrupar as mentes criminosas, quão distantes ficariam aquelas que torturam um bicho daquelas que torturam crianças?

Entretanto, há mais uma questão indignante neste fato. Muitas vezes é óbvia a identidade do agressor, não há necessidade de se morar no bairro de Sandra para saber disso, entretanto, só quem mora no bairro dela sabe que é uma impossibilidade se revoltar contra tal crime. Ela mesma não tem ilusões em relação a isso. Por lá, melhor engolir o choro e a indignação quando esfaqueiam seu bicho de estimação. Não há segurança nem mesmo para se exigir um direito ou defender a ética humana, a não ser, é claro, que se queira colocar a própria vida em risco.

Injusto é um país onde todos se acomodam e esperam pelo julgamento das leis. Porque dessa forma o que se combate são apenas os casos sem volta, o crime de facto; quando o que deveria ser combatido é a derrocada do humanismo, o desrespeito à vida. Infelizmente, o individualismo está alimentando o medo e a covardia de muitos, tornando nossa sociedade um território de silêncios oprimidos e violência livre.


Por Maricy Ferrazzo

Imagem: jie.itaipu.gov.br

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

HISTÓRIA

O mistério da “Praga da Dança” de 1518


Absolutamente curioso o livro do historiador americano, John Waller, sobre uma praga que teria acometido a população de Estrasburgo, então parte do Sacro Império Romano-Germânico, no ano de 1518, e levado muitos à morte. Porém, diferentemente das doenças que infestavam as sociedades da época, como a sífilis, a lepra ou tipos de febres mortais, a praga que acometeu os alsacianos se manifestou em forma de dança, ou seja, fazendo com que as pessoas dançassem sem parar, até a exaustão e consequentemente a morte.

Muito embora a história pareça material típico de lendas ou contos de fadas (Hans Christian Andersen escreveu sobre uma menina que não parou de dançar até que providenciou a amputação dos próprios pés no conto Os Sapatos Vermelhos), o historiador reuniu em sua obra uma pesquisa que expõem fatos e evidências na tentativa de comprovar a ocorrência da história.

Aparentemente, as danças involuntárias seriam manifestação em grupo de um histerismo gerado pela fome e outras privações ocasionadas por um período de baixas na agricultura e outros problemas de organização política e econômica. O frenesi dançante desses camponeses ficou conhecido por "A Dança de São Vito", iniciado com uma mulher chamada Troffea, que teria começado a dançar freneticamente na rua, no dia 14 de julho do ano mencionado, e permanecido nessa atividade por dias, mesmo com os sapatos encharcados de sangue e contra a própria vontade. Até o fim daquela semana outras 34 pessoas teriam se juntado a ela. Até o final do mês o total seria de 400 pessoas, transformando o ocorrido numa epidemia que matou por exaustão, ataque cardíaco ou desidratação.

Há teses que explicam a praga da dança como originada pela ingestão de uma espécie de fungo que se desenvolve no centeio mofado, e que libera Tartarato de ergotamina, substância componente do ácido lisérgico ou LSD. Entretanto, Waller discorda dessa explicação, afirmando que tal substância poderia causar reações alucinógenas, mas não colocar um grupo inteiro de pessoas a realizar movimentos coordenados, uma dança propriamente dita.

Mesmo com estudos voltados a explicar essa manifestação de horrores do século XVI, ainda assim permanece o mistério acerca desse fenômeno de 500 anos, que o livro de Waller, A Time to Dance, A Time to Die: The Extraordinary Story of the Dancing Plague of 1518 (Icon Books, 2008) propõe explicar. Que a praga da dança realmente aconteceu é fato registrado e documentado, o difícil é elucidar como camponeses esfomeados, mesmo no caso de histeria coletiva, teriam forças para terem permanecido por dias em constante atividade física. Há, inclusive, uma corrente supersticiosa sobre o caso: existem relatos de que o corpo de Frau Troffea teria continuado a dançar mesmo depois de sua morte, e que a Praga de São Vito era enviada às populações descrentes e blasfemas.

Na cultura medieval europeia existe universalmente a alegoria conhecida por Danse Macabre, uma narrativa do poder da morte, personificada como superior às distinções de classe, infalível. A parábola foi constantemente ilustrada no período e era utilizada como um memento mori ou também como sermão religioso. De qualquer forma, o relato de Estrasburgo sobre uma epidemia de dança involuntária não é o único nem ocorreu somente no continente europeu (ela teria se repetido ainda no século XVI na Bélgica e Holanda), tendo acontecido igualmente em 1840, em Madagascar, e em 1963 na Tanzânia.

Contaminação, histerismo ou castigo sobrenatural, o caso de Estrasburgo é mais um mistério histórico especialmente interessante, pois, nas deduções que desperta, se posiciona exatamente na linha entre o céu e a terra a que Shakespeare aludiu.

Por Maricy Ferrazzo

Fontes: G1
thepsychologist.org.uk Dancing Plagues and Mass Hysteria.
Wikipédia.com

Images: Detalhe de The Dancing Plague, Peter Brueghel, 1564.
Icon Books

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

CINEMA

AVATAR: Efeito (e enredo) especial
Há quem evite assistir filmes de ficção-científica por não conseguir se identificar com o enredo, personagens, ambiente da história. Em contraposição, muitos são apreciadores do gênero exatamente por ele oferecer uma válvula de escape para além da realidade cotidiana. Para qualquer um dos dois tipos de público, Avatar é uma ótima produção.

O filme traz a boa e velha dicotomia cinematográfica do bem contra o mal? Sim. Como todo sci-fi se passa no futuro? Sim. A história se desenrola num ambiente de guerra? Sim. Porém, diferentemente de muitos do mesmo gênero, Avatar traz várias mensagens de valor.

Além de uma produção espetacular, cheia de criações originais e minuciosamente elaboradas, o filme de James Cameron nos transporta para um mundo onde podemos visualizar em menor tempo e mais nitidamente os problemas pelos quais o nosso próprio planeta vem passando ao longo de muitos anos, que é a deterioração de nosso meio-ambiente, sendo meio-ambiente não só a natureza, mas o nosso ethos, nossa mentalidade. O filme nos põe no ângulo de visão do antropólogo, nos dá, por meio da fantasia, a chance de enxergar nosso próprio poder de destruição, a banalidade da ambição desmedida, o horror da violência.

O filme revela um mundo onde a maior riqueza de seus seres é a mãe natureza, uma força onipresente e plena, com a qual a espécie nativa interage harmoniosamente, seguindo e respeitando o ciclo de vida. Uma sabedoria há muito esquecida e perdida no planeta Terra. No planeta dos seres longilíneos, de traços felinos e pele azulada, não há exploração da natureza, há convívio. Tanto que daí se forma a crítica existente na guinada do personagem principal para um genoma diferente do humano, demonstrando que muito além da espécie, os seres devem se agregar em nome de uma consciência comum.

Em tempos de insucesso nos acordos ambientais internacionais, Avatar é basicamente pedagógico. Em tempos de produções cinematográficas vazias, onde a estética aparece desamparada de conteúdo, Avatar é um resgate de esperança.


Por Maricy Ferrazzo


Imagem: io9.com