Desde as épocas mais remotas do uso da linguagem e da escrita, civilizações tinham como algo de extrema importância a perpetuação da memória dos fatos intrínsecos a sua evolução, fossem eles sermões filosóficos, narrativas de guerras ou descrições da sociedade. Instrumental para várias ciências, a narrativa da Guerra do Peloponeso foi o legado do historiador Tucídides; os remanescentes diálogos filosóficos de Aristóteles guiaram o desenvolvimento da civilização Ocidental; a prosa de Boccaccio descreveu agudamente a sociedade italiana do século XIV, a de Chaucer a inglesa, a de Vidyapati a indiana, e assim por diante.
Diferentemente em cada região do planeta, o conhecimento adquirido por meio da narrativa, da leitura, foi crucial para a noção e reconhecimento cultural do Homem, formando uma linha de evolução da comunicação que se iniciou com o surgimento da fala na pré-História, da escrita na Idade Antiga, se transformou a partir do aperfeiçoamento dos tipos móveis e da tecnologia da tipografia por Gutemberg no século XV, e teve sua apoteose com a internet recentemente.
Naturalmente, a história dos que escrevem também teve sua evolução. Até antes da impressão, quem deixava registros eram os historiadores, os filósofos, os romancistas e os teólogos, entre outros poucos. Com a impressão, o número de devotos da escrita se ampliou para o interesse de várias ciências e contribuiu para um grau maior de democratização do conhecimento. A revolução industrial criou a imprensa como a conhecemos. A nova ordem econômica tornou também a informação um produto a ser consumido, e “então” o conhecimento da leitura e da escrita passou a ser uma obrigação do Estado para com sua população. Nesse período surge o termo ‘jornalista’ e se consolida o jornalismo.
Ao longo do tempo, conforme os jornais ganharam seu lugar como elemento cotidiano, a imprensa passou a estabelecer uma relação cíclica com a sociedade, buscando nela as informações e em seguida lhe oferecendo uma análise das mesmas. A partir dessa interação, o jornalista conquistou o dever da responsabilidade social, e embora nem todos o tenham honrado, existem em nossa História Contemporânea passagens em que o jornalismo influenciou ou decidiu diretamente o destino de pessoas e governos inteiros.
Os leitores desse jornalismo cada vez mais dinâmico podiam optar por acreditar ou não no que liam, mas contavam que aquele que havia redigido a notícia houvesse sido ético e se comprometido com a verdade, pelo menos da melhor forma possível, afinal de contas, se ele trabalhava para o jornal em questão, deveria ser bom.
Mas então chegou a tecnologia da internet e com ela se abriram infinitos espaços de comunicação interativa, instantânea, democrática. Caíram tempo e espaço na profissão do jornalista. Cresceram vertiginosamente as fontes de informação, o tempo de vida das notícias diminui enquanto estas passaram a se multiplicar constantemente. A comunicação de massa ficou ainda mais volumosa. Ascenderam ao lugar de honra do mercado da comunicação as matérias ligadas ao entretenimento, aquelas intrusivas das vidas dos habitantes do mundo do showbusiness, os paparazzi se tornaram algo como um coro grego, a web 2.0 e o Google, o oráculo de todas as respostas.
Parece, dessa forma, que o papel do jornalista deixou de ser o de trazer o furo, a notícia, para se concentrar em proporcionar informação. Mas também nem toda informação proporciona conhecimento, portanto, graças a essa remanescente apreciação da qualidade e busca por conhecimento, o jornalista não foi extinto. O que não significa que não esteja ameaçado.
A recente decisão do Supremo Tribunal Federal que desobriga do diploma a função do jornalista acaba de atirar os jornalistas por formação numa espécie de purgatório. Aqueles que freqüentaram uma universidade para absorver todo o conteúdo que a História da Comunicação e as técnicas de Jornalismo promovem, de forma a oferecer o exercício de seu ofício com responsabilidade e preparo, perderam a institucionalização de sua profissão. Esses profissionais haviam estudado o legado que a história de todos os grandes utilizadores da escrita, como os citados acima, proporcionou. Exatamente porque o jornalismo é uma profissão pluralista, que se desenvolve conforme busca contextos, esmiúça informações para obter uma visão macro, e não pode nunca deixar de se expandir em conhecimento. Diferentemente da profissão médica, por exemplo, que alcança louvor conforme se especializa.
O argumento que a obrigatoriedade do diploma fere os direitos constitucionais de livre expressão é falho. Não se discute o direito de escrever, de se posicionar, denunciar, expressar. Discute-se apenas o direito de assinar o texto como jornalista. Tal resolução não foi tomada em prol do leitor nem em prol do ‘escritor’, mas apenas para aqueles que manipulam o primeiro e se impõem ao segundo.
Maricy Ferrazzo
Jornalista por formação
sexta-feira, 19 de junho de 2009
QUEDA DO DIPLOMA DE JORNALISMO
Da responsabilidade de escrever
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